sábado, 13 de dezembro de 2008
Capítulo 1
Traços de Amor
- O Futuro ao virar da página, por Dear Rocha


Batiam as seis horas, de uma tarde fria. O Duarte deambulava pelas ruas vazias de uma cidade escura, naquela altura de inverno, pensando com os seus botões a sua vidinha, as suas pessoas, os seus estudos… num mundo no qual tinha um dia plantado um sinal de “proibido” na porta, num mundo do qual tinha passado, já nem se lembrava bem quando, a dizer “não têm nada a ver com isto”, quando alguém lá batia à porta do coração. Tudo parecia encadear-se de uma forma estranha, tudo parecia estar a conjecturar a perdição de um rapaz. De um lado, sempre educado num clima de protecção que, agora via, o tinha atado de muitas maneiras perante o mundo; por outro, a morte da mãe, tão especial, tão carinhosa, tão sublime, tão simplesmente mãe… Já se lembrava pouco da mãe, às vezes em fotografias, às vezes em situações em que outros se continham para, à sua frente, não terem de confrontar um “a tua falecida mãe costumava…”; ainda outras vezes, quando algum cheiro misteriosamente fazia lembrar a imagem de um rosto tão jovem que a mãe sempre tivera. A morte da mãe tinha sentenciado, ao que parecia, o envelhecimento do seu próprio rosto perante o mundo e perante os outros. Um rosto que a cada dia se ia infestando mais e mais de tudo o que a vidinha do dia-a-dia nos faz perder o gozo: o gozo nas flores, no céu, nas estrelas… o gozo no café, o gozo numa gargalhada, o gozo de viver. Quando se deu conta, já os dias o viviam a ele, em vez de ser ele a viver os dias! Mas quando estamos atados e de coração cego, tantas vezes isso não interessa para nada… Esquecemo-nos, ou talvez simplesmente não queiramos ver as coisas…! Esta espiral de sentimentos teria tantas outras justificações, claro, mas como em todas as vezes que nos deixamos cair em caminhos que só nos estragam a nós, nunca damos por eles, nunca podemos apontar o dedo a uma causa.

O Duarte, por sua vez, tinha um grande dom: exprimia-se muito bem, tinha um grande poder de argumentação. Tanto pior, em todos os seus preconceitos e opiniões, sempre conseguia encontrar justificações completamente infalíveis para caberem dentro das suas teorias. Quando algo lhe parecia estranho, ele não ponderava mudar a sua percepção daquela realidade em causa, os outros é que estavam todos errados. Por causa deste dom, o cérebro acabava por moldar a realidade da forma que mais lhe convinha, de forma que tudo o que não fizesse sentido era como que apagado do mundo com que tinha que lidar…

Nesse dia em que, mais uma vez, se dedicava a “curtir a depressão”, teve uma surpresa. Estava no café do costume, e tinha acabado de pagar, preparando-se para sair. Deu de caras com um grupo de amigas, todas pertenciam ao coro da Academia de música. Eram cinco, e a todas as conhecia, melhor ou pior, mas havia ali uma cara nova… e como colega de turma de duas delas, vizinho de uma outra, voltou a sentar-se à mesa, naquele café.

Chamava-se Catarina, olhos e cabelo castanhos, riso despreocupado. Na verdade não tinha grandes características físicas dignas de uma grande história de amor, e no rosto não tinha o sorriso de princesa que nos filmes sempre é obrigatório. Mas nesse mesmo sorriso, nessa mesma expressão, o Duarte viu uma necessidade enorme de estar com ela mais uma vez. Não foi difícil, a empatia dos dois era bem visível, e não demoraram a ver tudo o que tinham em comum: a música acima de tudo, o gosto por ler, por escrever, por ensinar. O Duarte não se lembrava de alguma vez ter sentido por alguém uma empatia assim, mas era um facto que, pouco tempo depois, ambos sabiam da vida um do outro quase tão bem como conheciam a sua própria vida.

“Catarina,
Minha querida, luz que tantas vezes precisa de brilhar para eu poder sorrir, olá!
Estou a escrever esta carta, não porque aconteceu alguma coisa de especial, ou de grave. Não! Simplesmente te escrevo, porque me apetece partilhar contigo certas coisas, que são tão importantes que não se podem perder numa mensagem, e infelizmente não tenho a coragem de dizer… Foste a coisa mais especial que me aconteceu nestes últimos tempos, sabes? Sim, sei que sabes, sabes que tens sido uma grande porta na minha vida, tens-me mostrado coisas tão bonitas! Tenho necessidade de estar contigo, de viver os meus dias contigo presente, porque fazes parte da minha felicidade. Sim, fazes parte da minha felicidade, e de mim! Tenho tanta coisa a agradecer… tanta coisa ainda para te mostrar de mim… mas tu… tu soubeste fazer-me levantar a cabeça… e vê-se muito melhor! Quando olhamos o mundo com as costas direitas e o queixo levantado, conseguimos ver muito mais longe… e é tão bom, minha querida… tão bom, que só me faz pensar que estar a escrever é uma perda de tempo, que as palavras não servem de nada, depois de tudo o que o coração é capaz… Sim, sinto-me infinitamente bem, sinto-me infinitamente livre e infinitamente sereno, por poder experimentar ser tão importante para ti. Eu adoro-te, miúda. Não tenho mais nada a dizer que valha mais do que um abraço.

Duarte.”
 
por David a 10:47 | Permalink |


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