sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
Capítulo 4
“Catarina,
Tenho uma coisa para te contar. Apetecia-me poder dizer-te tudo isto, mas estamos longe, e por telemóvel não seria a mesma coisa, por isso decidi escrever-te. Sabes que quando algo é importante tenho sempre tendência para escrever.
Foi com a Bia. Estive com ela outra vez depois de teres ido embora. Ainda estava nas escadas onde te deixei, fechei os olhos por uns momentos a pensar naquilo que tinha acontecido, e depois, lá estava ela… Tu não tens noção, ela deixou-me, mais uma vez de boca aberta… Como é que eu vou explicar? Ela faz-me sentir tão estupidamente: por um lado, tão mal por não a compreender como se calhar devia; mas por outro, tão feliz de a ter ali, disponível, e sempre com um sorriso que me mata, que não deixa de pôr em causa tudo o que o meu coração pretende esconder do mundo, que normalmente são sorrisos, sentimentos bons. É como se eu estivesse tão habituado a passear nos caminhos da vida, que conheço tantos, e os explorasse mais e mais; e então, aparece uma face escondida (não por querer, mas porque algum dia deixei de permitir que se mostrasse à vida) que me pede insistentemente que deixe que seja ela a conduzir… e então leva-me por outros caminhos, caminhos que nunca pensei que pudessem (ainda) existir, porque, vejo depois, eles já faziam parte de mim…! Essa parte do meu coração tem a imagem da Bia, pequenina, pura, sorridente… E então sinto-me feliz… Feliz por uma criança voltar a mostrar que há outros caminhos que uma pessoa se não vê é porque se esqueceu do que é ser criança… e eu acho que nos tornamos autênticos velhos quando deixamos de ser crianças…
Ficas aqui com as minhas dissertações… Quando pudermos, falamos melhor sobre isto, está bem? Um Beijinho grande,
Duarte”

A Catarina tinha acabado de ler as palavras que o Duarte escrevera e lhe entregara nesse momento, noite do dia seguinte aos acontecimentos. Ele tinha ficado em silêncio enquanto a amiga lia a carta, enquanto mais uma vez pensava no assunto, e no que tinha escrito.
Depois de uns momentos em que a Catarina esteve em silêncio, como que a conversar melhor com o texto, concluiu.
- Sabes, Duarte… Acho que te levas demasiado a sério.
O Duarte não compreendeu, ou não quis compreender, como a Catarina já estava à espera. Explicou:
- Passas os dias a pensar de mais, Duarte! Tomas as tuas razões, por muito boas que sejam, universais, não susceptíveis de correcção… Tens de aprender a ser mais relaxado, a ouvir mais o que os outros te dizem, mesmo que seja parvoíce! Pela simples razão que provoca encontro, relação com essas pessoas. Porque mesmo que seja parvoíce, tu estiveste disponível para as ouvir, e isso significa muito. E vais aprender muito mais do que esperas, se ouvires mais… Não leves as tuas próprias palavras como leis, porque normalmente acabam por nos tirar liberdade, e abertura às coisas novas. Não sei o que te diga mais, meu querido…
E não disse… Ficaram ambos onde estavam, num silêncio pleno de sentido, enriquecedor, a olhar o céu azul-marinho daquela noite.
 
por David a 04:32 | Permalink |


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