sábado, 20 de dezembro de 2008
Capítulo 5
Era de manhã cedo quando o pai do Duarte irrompe pelo quarto adentro, cantarolando o dia tão bonito que fazia lá fora, numa ópera um tanto ou quanto desconhecida. Era verdade que o Duarte, de manhã, estremunhado pelo “furacão dos bons-dias” – como lhe chamava – não pensava com toda a clareza, mas aquela melodia parecia pertencer, pelo modo como ecoava, a uma manada de elefantes a limar os dentes de marfim. O “furacão” continuava a sua pregação sobre “estar de férias não significa dormir até ao meio-dia”, mas aquele dia era diferente. Aquele filho, deitado ainda na cama, e de olhos cerrados pela luz do dia que entrara no quarto depois de a persiana ter sido aberta, tinha um sorriso estampado nos lábios. Aquele filho, o Duarte, estava hoje decidido a ser, nesse dia, o seu próprio melhor amigo. Saltavam-lhe frases que se tinha habituado a ouvir, as mesmas que tão poucas vezes encontravam um caminho no coração que fosse o caminho de “tomar como atitude”… Lembrava-se da que um grande amigo uma vez tinha dito: “A cada dia podemos escolher entre ser o nosso melhor amigo, ou o nosso maior carrasco”. Hoje seria diferente do que ele próprio se tinha habituado. Hoje, deixaria de curtir a depressão. Porque parecia que se tinha habituado a viver lá, e mudar parecia tão menos confortável…
Tinha passado muito tempo desde a última vez que vira Beatriz. Nem podia, tinha-a encontrado – aquela criança que ele próprio era e tanto se esquecera – dentro do seu coração, de tal maneira que aquela figura perfeita, de princesa, simples e sempre de sorriso aberto, deixara de ser necessária ao coração para abrir os olhos do mesmo corpo a que pertencia. Deixara de conseguir ver a Bia porque os olhos do Duarte haviam deixado de precisar de procurar fora do corpo o que o coração tinha agora dentro – a Criança.

Levantou-se, tomou banho e vestiu-se. Saiu. Foi ter com a Catarina. Sempre partilhara tudo com ela, e isto não seria excepção. Tinha uma página para virar, e era uma página que se tinha tornado bem pesada, no livro da sua vida. Os últimos meses tinham sido um verdadeiro inferno.
 
por David a 18:00 | Permalink |


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